Trouxe uma reflexão de algo que vivenciei recentemente e que me fez pensar sobre ética nas organizações.
Ontem fui a uma padaria (de uma grande rede) aqui em Portugal comprar um pão e um patê. Como eu e alguns amigos íamos à praia, pedimos uma faca ou colher descartável para levarmos. A atendente nos entregou uma colher da própria padaria, sem ser descartável, linda! não era daquelas simples não! e disse:
“Pode levar, ninguém vai notar a diferença.”
Fiquei surpresa! Respondemos gentilmente que depois passaríamos para devolver, mas a naturalidade com que ela falou aquilo me causou um incômodo. Pode parecer uma bobagem. Uma colher. Mas o problema não está no objeto, e sim no raciocínio e ela disse depois:
“Eles nem vão reparar. Além disso, podem muito bem comprar outro.”
Pode ser algo específico e individual, mas pode também ser falha da liderança. Esse tipo de pensamento, mesmo que pequeno, pode ser uma semente do que chamamos de declínio ético.
O que é o declínio ético?
O declínio ético é uma doença organizacional. Ele se manifesta quando pessoas passam a agir de forma antiética para obter vantagens pessoais (não era esse o caso acima), muitas vezes acreditando que seus princípios continuam intactos. Começa com pequenas transgressões e, se não for contido, cresce, vira hábito, se institucionaliza.
Um exemplo de declínio ético foi o escândalo da Wells Fargo. A empresa americana demitiu mais de 5.300 funcionários após descobrirem que eles haviam criado milhões de contas falsas e emitido cartões de débito e crédito não autorizados para bater metas. O CEO, na época, tentou alegar que aquilo “não representava a cultura da empresa”, mas a verdade é que milhares de pessoas estavam envolvidas, durante anos.
Isso não foi um desvio isolado. Foi uma cultura doente.
Como isso acontece?
Organizações que exaltam apenas resultados financeiros trimestrais criam um ambiente de alta pressão. O sistema de recompensas, se mal estruturado, incentiva quem bate metas — sem avaliar como isso foi feito. Com o tempo, a ética vira um obstáculo para o “sucesso”.
A racionalização é: “Está todo mundo fazendo. Se eu não fizer, fico para trás.” E assim, o que começa como exceção, vira regra.
É claro que as pessoas com valores diferentes não ficam, mas sabemos que existem pessoas boas que muitas vezes se sujeitam a estes comportamentos devido a vários fatores que não vou entrar no mérito agora. Até porque meu objetivo é falar sobre o problema na liderança.
O experimento do Bom Samaritano
Vou trazer outro exemplo, já ouviram sobre um dos estudos mais famosos da psicologia social, conduzido em 1973 pelos psicólogos John Darley e Daniel Batson, da Universidade de Princeton, e ficou conhecido como o "Experimento do Bom Samaritano".
Ele foi inspirado na parábola do Bom Samaritano (Lucas 10:25–37) e investigou por que as pessoas ajudam — ou não — alguém em necessidade, mesmo quando têm valores éticos e religiosos claros.
Os pesquisadores recrutaram seminaristas (estudantes de teologia) e disseram que deveriam dar uma palestra em outro prédio da universidade. Os participantes foram divididos em três grupos, com diferentes instruções:
- Grupo “sem pressa” – disseram que ainda tinham tempo antes da palestra.
- Grupo “pontual” – disseram que deveriam ir para o prédio agora.
- Grupo “atrasado” – disseram que estavam atrasados e precisavam correr.
Metade dos participantes foi informada de que falaria sobre o tema da Parábola do Bom Samaritano. A outra metade falaria sobre oportunidades de trabalho ministerial.
No caminho para o prédio onde dariam a palestra, todos passavam por um "homem" (um ator) caído e gemendo, claramente em situação de necessidade.
O que influenciou a decisão de ajudar não foi o tema da palestra, nem os valores dos participantes — mas o senso de urgência:
- 63% dos que estavam sem pressa pararam para ajudar.
- 45% dos que estavam pontualmente a caminho ajudaram.
- Apenas 10% dos que estavam atrasados pararam para ajudar.
A conclusão é que o contexto imediato e a pressão do tempo influenciam mais o comportamento ético do que os valores declarados ou a formação moral.
Então como promover uma cultura ética?
- Pelo exemplo. A ética começa nas pequenas decisões. Um líder que não fura fila, que devolve a colher, que diz “não” quando é mais fácil dizer “sim” — inspira.
- Estabeleça valores claros. Estes valores precisam aparecer nos rituais da empresa (reuniões, promoções, etc).
- Recompensando o certo, não só o resultado. Avalie como as metas foram alcançadas. Valorize a integridade e sistemas que não recompensam o antiético.
- Tolerância zero para desvios éticos. Mesmo os “pequenos”.
- Cultura de feedback e reflexão. Criar espaços seguros onde o certo e o errado sejam discutidos com maturidade.
Uma colher emprestada não vai falir uma padaria. Mas a naturalização do roubo disfarçado, da transgressão pequena, sim — pode adoecer toda uma organização.
É na microdecisão que a ética se revela.
Qual a sua opinião sobre esse assunto? O que mais promove uma cultura ética?
Ediane Pereira Pinto.